20.8.14

Se de noite a gente alimenta os ouvidos de manhã é a vez da alma e do coração.
Aí durante o dia naquela hora em que a pessoa chega na sua frente, olha para sua cara e começa a reclamar do colega de trabalho, por uma futilidade qualquer, como na época do jardim de infância, quando uma coisinha pequena parecia uma tragédia gigantesca, você, depois de uns minutos, começa lentamente a se desligar e lembra do que leu logo cedo.

Tu És em Mim Profunda Primavera

O sabor da tua boca e a cor da tua pele,
pele, boca, fruta minha destes dias velozes,
diz-me, sempre estiveram contigo
por anos e viagens e por luas e sóis
e terra e pranto e chuva e alegria,
ou só agora, só agora
brotam das tuas raízes
como a água que à terra seca traz
germinações de mim desconhecidas
ou aos lábios do cântaro esquecido
na água chega o sabor da terra?

Não sei, não mo digas, tu não sabes.
Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnólia e matagal,
sangue e farinha, galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.

Pablo Neruda, in "Os Versos do Capitão"



Um comentário:

*Clau disse...

Lindos versos
Bjos