7.7.08

Depois de um dia corrido, um pé esquerdo dolorido de uma torção da semana passada, quase caio da cadeira quando meu filho chega prá mim e diz: Você pode me colocar em qualquer escola, mas prá esse colégio eu não volto mais!!! Como é que é??? Pega de surpresa eu disse que amanhã conversamos.É claro que vou tentar convencê-lo à ficar e mesmo que todos os meus argumentos não sejam suficientes, ele vai ficar lá até o final do ano letivo.Que eu saiba não existe motivo para uma mudança radical no meio do ano.Eu não entendi a atitude dele...amanhã , quem sabe, eu descubro. O negócio é relaxar porque afinal as aulas só recomeçam no final do mês.
Mas como relaxar se eu continuo em estado de choque com o fuzilamento covarde do menino João Roberto no Rio de Janeiro? Que país é esse?

Mãe
(Rubem Braga)
O menino e seu amiguinho brincavam nas primeiras espumas.(...) E o mundo era inocente, na manhã de sol. Foi então que chegou a Mãe(...) Trouxe óculos escuros, uma esteirinha para se esticar, óleo para a pele, revista para ler, pente para se pentear -e trouxe seu coração de Mãe que imediatamente se pôs aflito achando que o menino estava muito longe e o mar estava muito forte. Então a Mãe começou a folhear a revista mundana (...) Mas de repente:
- Cadê o Joãozinho? O outro menino, interpelado, informou que Joãozinho tinha ido em casa apanhar uma bola maior. - Meu Deus, esse menino atravessando a rua sozinho! Vai lá, João, para atravessar com ele, pelo menos na volta! 0 pai achou que não era preciso: - O menino tem OITO anos, Maria!- OITO anos, não, oito anos, uma criança. Se todo dia morre gente grande atropelada, que dirá um menino distraído como esse! E erguendo-se olhava os carros que passavam, todos guiados por assassinos (em potencial) de seu filhinho.- Bem, eu vou lá só para você não ficar assustada.Talvez a sombra do medo tivesse ganho também o coração do pai; mas quando ele se levantou e calçou a alpercata para atravessar os vinte metros de areia fofa e escaldante que o separavam da calçada, o garoto apareceu correndo alegremente com uma bola vermelha na mão, e a paz voltou a reinar sobre a face da praia.Agora o amigo do casal estava contando pequenos escândalos de uma festa a que fora na véspera, e o casal ouvia, (...) quando a Mãe se ergueu de repente:
- E o Joãozinho? Os três olharam em todas as direções, sem resultado. O marido, muito calmo - "deve estar por aí", a Mãe gradativamente nervosa - "mas por aí, onde?" - o amigo otimista, mas levemente apreensivo.
Havia cinco ou seis meninos dentro da água, nenhum era o Joãozinho. Na areia havia outros. Um deles, de costas, cavava um buraco com as mãos, longe.
- Joãozinho! O pai levantou-se, foi lá, não era. Mas conseguiu encontrar o amigo do filho e perguntou por ele. - Não sei, eu estava catando conchas, ele estava catando comigo, depois ele sumiu.A Mãe, que viera correndo, interpelou novamente o amigo do filho. "Mas sumiu como? para onde? entrou na água? não sabe?(...) De pé, lábios trêmulos, a Mãe olhava para um lado e outro, apertando bem os olhos míopes para examinar todas as crianças em volta. Todos os meninos de oito anos se parecem na praia, com seus corpinhos queimados e suas cabecinhas castanhas. E como ela queria que cada um fosse seu filho, durante um segundo cada um daqueles meninos era o seu filho, exatamente ele, enfim - mas um gesto, um pequeno movimento de cabeça, e deixava de ser. (...) De súbito ficou parada olhando o mar, olhando com tanto ódio e medo (lembrava-se muito bem da história acontecida dois a três anos antes, um menino estava na praia com os pais, eles se distraíram um instante, o menino estava brincando no rasinho, o mar o levou, o corpinho só apareceu cinco dias depois, aqui nesta praia mesmo!) - deu um grito para as ondas e espumas - "Joãozinho!". Banhistas distraídos foram interrogados - se viram algum menino entrando no mar - o pai e o amigo partiram para um lado e outro da praia, a Mãe ficou ali, trêmula, nada mais existia para ela, sua casa e família, o marido, os bailes, os Nunes, tudo era ridículo e odioso, toda essa gente estúpida na praia que não sabia de seu filho, todos eram culpados - "Joãozinho !" - ela mesma não tinha mais nome nem era mulher, era um bicho ferido, trêmulo, mas terrível, traído no mais essencial de seu ser, cheia de pânico e de ódio, capaz de tudo - "Joãozinho !" - ele apareceu bem perto, trazendo na mão um sorvete que fora comprar. Quase jogou longe o sorvete do menino com um tapaO pai e o amigo voltaram a sentar, o menino riscava a areia com o dedo grande do pé, e quando sentiu que a tempestade estava passando fez o comentário em voz baixa, a cabeça curva, mas os olhos erguidos na direção dos pais: - Mãe é chaaata... (Rubem Braga - Maio, 1953)


Este texto foi escrito em 1953, quando os grandes temores da mãe de Joãozinho ainda eram previsíveis....

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