26.1.10

O Filho do Brasil

Este texto é o melhor que já li à respeito da reação sobre o filme. O texto original é bem extenso, portanto aqui transcrevo somente alguns trechos:

O filme do Lula e os dois lados da arquibancada

Lula, o filho do Brasil. Esse é o nome da polêmica do ano (que mal começou).(...) Com orçamento recorde, atmosfera novelesca e elenco global, a película busca mimetizar todos os arquétipos (e feitos) de 2 Filhos de Francisco, se desenhando como a mais controversa cinebiografia já feita por aqui. (...)
Pode-se argumentar que O filho do Brasil foi feito sem dinheiro público ― o que é verdade ―, mas expõe de maneira grosseira o jogo promíscuo das empresas privadas que patrocinaram o filme, interessadas em adular o governo, com as piores das intenções.(...)
Inicialmente idealizado como uma mistura de documentário com melodrama (vulgo "docudrama"), o diretor Fabio Barreto alterou a rota no meio do caminho e resolveu partir para a ficção, ora omitindo, ora "romanceando" fatos da vida do presidente, para efeitos dramáticos (e mercadológicos). No mais perigoso deles, o episódio em que os sindicalistas jogam o empresário do alto de uma escadaria da fábrica e este morre estatelado no chão, resultando numa histeria coletiva. No livro de Denise Paraná (que serviu de suporte para o filme), Lula "achou que estavam fazendo justiça", compactuando da atitude de seus companheiros. No filme, ele cai em prantos, horrorizado com toda aquela violência ― forjando um Lula humanista e, por isso mesmo, desumanizando-o.(...)
O ponto mais correto do filme (que se aproxima de um documentário) fica para a formação da figura política de Lula, remontando sua trajetória sindical. Para quem achava que o presidente já abraçava as causas esquerdistas na luta contra a ditadura militar, vai se decepcionar, pois o Lula que aparece naquela época, além de já ser carismático, era também conciliador, extremamente pragmático e apolítico (sim, no sentido ideológico ― procurando ficar alheio às lutas políticas dos anos 60 e 70). Só depois de liderar as greves no sindicato em 1978 é que Lula ficou famoso no país inteiro, e, posteriormente, foi abraçado pela "intelligentsia" de esquerda, que viria a fundar o Partido dos Trabalhadores. No filme, temos um bom retrato da gênese do camaleão político que vemos nos dias de hoje, que gesticula com a mão esquerda e manipula com a direita.
Os detratores acusaram o filme de ser eleitoreiro antes mesmo de ele chegar às telas. Ao que os defensores rebateram argumentando que ele não mostrava a trajetória política do presidente (acaba em 1980, pouco antes da fundação do PT). Ambos os lados têm razão... Em termos. Se o filme não mostra os feitos do governo, não pode ser tido como eleitoreiro, mas o desfecho épico, com imagens de Lula eleito em 2002, nos braços do povo, deixa uma mensagem subliminar de que aquela figura "romanceada" teria mantido todos os valores (que o filme acabara de ensinar) durante os oito anos de mandato. Imagine o que Dona Lindú pensaria se visse seu filho defendendo mensaleiros, abraçando Collor, mancomunando-se com Sarney e toda a alcateia do PMDB...(...)
De um lado, a classe média ressentida, que se recusa a aceitar o ex-torneiro mecânico no poder. Atacam Lula pelo fato dele não ter estudado e defendem políticos com respeitáveis títulos de doutores (mesmo que seus currículos acadêmicos sejam tão extensos quanto suas fichas criminais).(...) Na impossibilidade de arrancá-lo as tripas e vê-lo empalado em praça pública, pegam carona em qualquer bobagem que o presidente fala (e olha que são muitas) para impichá-lo moralmente.(...)
Do outro lado, os pitbulls da "esquerda" militante. Empenham-se ― com todo o ódio ― na defesa cega e aguerrida de seu deus. Se já ficavam contrariados em ver uma simples charge no jornal, imagine o que acontece com alguém que resolver criticar o filme do "chefe".(...) Portanto, cuidado: se os pitbulls estiverem sem suas focinheiras, é bom que você já tenha tomado a sua dose da vacina contra a raiva...(...)
Aqui, ou se é radicalmente contra ou se é colericamente a favor. De modo personalista e apaixonado, deixamos de reconhecer erros e acertos, para defendermos as resoluções mais descabidas, tudo em nome de identificações meramente pessoais. Quem quiser questionar alguma coisa, não precisa ficar em cima do muro, basta ficar acima do muro. Esse governo não é a soma de todos os medos, como muitos querem acreditar (as diferenças entre Lula e Hugo Chavez são abissais), mas também está muito longe de ser essa maravilha que os adeptos do discurso do "nunca antes nesse país" fazem parecer.(...)
Num momento em que se tem uma eleição presidencial à frente e que Lula cumpre o seu último ano de mandato, o filme traz à tona os piores sentimentos e preconceitos daqueles que encaram o debate político como uma pancadaria entre torcidas num jogo de futebol. Além de colocar a internet em estado de sítio, o filme retoca a já pesada maquiagem publicitária do presidente, visando a aprovação máxima, a popularidade inatingível, a unanimidade ― uma contradição para um país que se pretende democrático.(...)

Diogo Salles
(São Paulo, 19/1/2010)
Digestivo Cultural

2 comentários:

Zoe disse...

chegará a Portugal???

Anônimo disse...

Nem imagina a curiosidade que despertou em mi. Espero que chegue a Portugal porque, como já sabe, sou um admirador de Lula, embora não conheça muito do seu percurso político.